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Há médicos e não-médicos

por Magda L Pais, em 09.10.15

Tramitação-do-Mais-Médicos-está-dentro-do-prev

Já falei aqui sobre a minha Doença de Crohn mas creio que nunca contei como me foi diagnosticada. 

Sei que o texto vai ser longo mas peço que o leiam até ao fim. Em duas vezes se for preciso. É que é preciso, muito preciso mesmo, perceber que há médicos e há não-médicos.

Não sei dizer ao certo em que ano comecei a ter problemas mas recordo-me que fui parar algumas vezes ao hospital com imensas cólicas, gazes, diarreias que não passavam, dores abdominais de fugir.., Por norma, finais de Julho, princípios de Agosto era certinho que eu ia lá parar. Os médicos viam-me, faziam umas análises ao sangue, não detectavam nada e achavam que seria uma colite. Mandavam-me para casa, a coisa melhorava e, no ano seguinte, voltava a acontecer, mais ou menos na mesma altura.

E por uns cinco ou seis anos aconteceu assim.

Quando aconteceu a Expo'98, eu ia quase todos os dias para lá. E num dos dias - em finais de Junho - comecei com os sintomas. Tentei aguentar-me ao máximo, afinal queria mesmo ver tudo e mais alguma coisa da Expo, mas, por fim, desisti e fui mesmo ao Hospital. Estava de tal modo que a minha mãe, na véspera da ida ao hospital, ao ver-me ao longe, disse a uma amiga - a minha filha está grávida e não me quer dizer. Não estava, estava apenas inchada que nem um peru em véspera de Natal.

Na manhã seguinte, no hospital, contei à médica os sintomas que tinha e o facto da história ser recorrente, ela achou estranho e disse-me que, apesar das análises não mostrarem nada de especial, gostava que eu fosse vista por um médico de cirurgia para ter mais certezas. Mas que o médico que ela achava que me devia ver só estava no hospital por volta das 16h, hora a que ela já não estaria e que implicaria uma espera de umas seis horas. Certo, disse eu, vou almoçar com calma, levo o meu livro e estou aqui às 16h. E assim fiz.

Quando regressei ao hospital ia a pensar com os meus botões que, das duas uma - ou o médico não fazia ideia que eu lá ia, ou iria ter de repetir de novo a história. Enganei-me redondamente. Passados alguns minutos de me ter identificado fui chamada ao gabinete do médico. Ele tinha o meu processo à frente e disse-me que sabia o que tinha contado à primeira médica e que, por isso, não me ia demorar, queria apenas fazer-me algumas perguntas. Lá respondi e, no fim, ele disse-me que não, não era caso para ele, pelo menos para já, mas que deveria ir a um gastrenterologista. Mas olhe - disse ele - não é a um qualquer, é ao Dr. P. que é o maior especialista aqui do hospital. Certo, assim farei. Onde marco a consulta? Pois que não foi preciso, o médico disse-me apenas para aparecer, três dias depois, no dia da consulta do Dr. P e dizer que ia da parte dele para ser atendida. 

Bom... no dia (lembro-me perfeitamente que era uma quinta-feira) lá voltei ao hospital e ia com a mesma sensação - ou ninguém sabe o que se passa ou vou ter de explicar tudo. Voltei a enganar-me. Logo que disse à enfermeira que vinha da parte do médico (não me recordo o nome) ela disse-me logo que sim, que estavam mesmo à minha espera, que o Dr. P até tinha dito para eu ser logo atendida assim que chegasse. Pasmei!

Quando entrei no gabinete o Dr. P disse-me que sabia a minha história e que queria ainda esclarecer mais coisas. Esclareci, bastante agradada por tudo o que se tinha passado até ai. Marcamos os exames em falta - que ele quis fazer pessoalmente - e, passada uma semana, após os exames, lá tive o diagnóstico e o tratamento. Doença de Chron, fase embrionária. 

Não fosse esta sequência de médicos, daqueles a sério, e, provavelmente eu teria continuado a ser medicada para algo que não tinha, e a doença teria continuado o seu percurso sem tratamento. Entre os tratamentos e a gravidez, a doença regrediu de tal forma que, nos últimos exames, não é detectável.

Dado este exemplo do que é ser um bom médico, um médico a sério, um médico que honra a sua profissão, tenho de vos contar o que se passa com uma amiga.

Há dois anos atrás, naquelas consultas de rotina, fez alguns exames. Ecografia ginecológica, mamografia, papanicolau. Tudo exames que devem ser feitos de x em x tempo e que permitem diagnosticar, a tempo, algum problema mais sério que possa aparecer. Quando fez os exames foi-lhe dito, pela médica e por quem fez os exames, que esteja descansada que, caso haja algum problema nós contactamos. Se não dissermos nada é porque está tudo bem. 

Ninguém ligou e ela ficou descansada.

Entretanto esteve doente, teve gripe, teve renite, a filha e o filho adoeceram, o marido idem. E todos foram à mesma médica, normalmente até com ela que gosta de os acompanhar. E nada lhe disseram. 

Esta segunda-feira o marido foi ao médico e a minha amiga foi com ela. Pelo meio da consulta pergunta-lhe a "médica", então quem é que a está a acompanhar, no hospital, por causa do carcinoma? ou não tratou disso?

Como? Carcinoma? Quem?...

A moça, a minha amiga, claro que ficou em choque.  Afinal descobre assim, por acaso e acidente, que tem um carcinoma há dois anos e que não foi avisada.

Claro que a reacção da médica foi logo mandar tudo para o hospital... ou então não. Porque, quando, ontem, a minha amiga lhe perguntou se já tinha mandado as coisas para o hospital, a resposta foi, e passo a citar "não percebo a sua pressa. Quem esperou dois anos pode esperar mais uns dias". E ainda acrescentou "era grau um, não se preocupe"

Achará a senhora médica de profissão que um carcinoma é um dente que tem de ser arrancado? ou que não evolui?

Para onde caminhas, Serviço Nacional Saúde, quando, para além das filas de espera para operações ao coração, ainda tens médicos que têm atitudes destas?

 

(Nota - carcinoma é um tumor maligno desenvolvido a partir de células epiteliais)

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12 comentários

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O nosso serviço Nacional de Saúde é capaz do melhor, mas infelizmente também do pior e quando é o pior é sempre com graves prejuízos para as pessoas!
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Magda L Pais a 09.10.2015

realmente tens razão. Encontram-se os extremos. O problema é que estamos a falar da saude das pessoas, da vida delas...
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Life Inc a 09.10.2015

Como em todas as profissões, há bons e maus médicos. O problema da medicina é que quando há erros ou omissões, há risco de vida. E com a vida das pessoas não se brinca!

xoxo
cindy
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Magda L Pais a 09.10.2015

no caso da médica da minha amiga, confesso, nem sei bem se lhe chame médica. Credo, dois anos para dar uma informação destas? cruzes
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Flor de Sal a 09.10.2015

Eu li tudo e só tenho a dizer que estou em choque.
Um processo era pouco para o que essa gente merece. Resta esperar que tudo corra bem (e eu, no lugar dela pedia outra opinião de um médico à séria e não ficava à espera que esses não médicos se dispusessem a tratá-la)
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Magda L Pais a 09.10.2015

Foi exactamente o que eu pensei e lhe disse. Ao que parece a moça minha amiga está só à espera que o exame lhe seja entregue para ir a outro lado e depois agir contra a idiota
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Filipa a 09.10.2015

Depois de dois anos sem informar do que devia ainda tem lata para mandar "piadas"?! Dava vontade de lhe apertar o pescoço.
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Magda L Pais a 09.10.2015

ou atirar-lhe com uma coisa à cabeça...
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Noqe a 09.10.2015

Eu sou seguida, infelizmente, em algumas especialidades. O meu médico de família desde que descobriu que sou enfermeira que me faz as vontadinhas todas, no outro dia acompanhei a minha mãe a uma consulta e precisava de um p1 para fazer uma ortopantomografia e estava a dizer-lhe que ia deixar o pedido da secretaria, ao que ele me respondeu "deixe estar, eu ligo para lá, eles abrem consulta e faz-se já isso". Basta pedir-lhe e tenho tudo.
Mas também sou seguida em Imunoalergologia, endocrinologia e otorrino. O meu endocrinologista e o meu otorrino, são excelentes médicos, explicam as coisas super direitinho, mesmo sabendo que eu percebo se falarem em termos técnicos, mas mesmo assim explicam e tem o cuidado de explicar as coisas à minha mãe super direito. Já a minha imunoalergologista, bem, essa parece que está lá a trabalhar obrigada. Acho que nem ouve do que nos queixamos. O ano passado mandou-me fazer uma TAC ao nariz depois de eu muito (2 anos) me queixar que mal consigo respirar pelo nariz e que fico com ele sempre entupido de noite. Viu o resultado e disse-me "Vou marcar consulta pra si em otorrino, mas eles lá não lhe vão dizer nada do que eu já lhe disse aqui, não há nada que se possa fazer ao seu nariz". Fui à consulta e o médico lá disse-me que havia solução, tinha de ser operada, mas que tinha solução. Há mesmo médicos e não médicos.

Desculpa este comentário super enorme :)
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Magda L Pais a 10.10.2015

Não foi nada longo, ora essa :D

de facto.. eu detesto médicos que parece que nos estão a fazer um favor.  quer dizer, a pessoa não vai (em principio) ao médico porque gosta de la ir, vai porque precisa. E depois ainda é tratada como se fosse sei lá o quê? é do pior
Eu não percebo nada de termos médicos. Gosto imenso quando os médicos nos explicam - em português de gente - o que se passa. Tornam-se mais humanos quando é assim
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marrocoseodestino a 10.10.2015


Como sabes trabalho com idosos e como tal acompanho-os muitas vezes a consultas e às urgências e vi MÉDICOS e médicos. Uns com coração e outros sem nenhum.
Até para sermos tratados temos de ter sorte.
Essa medica que acompanha a tua amiga é das que não deve de ter coração.
Beijinho
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Paulo Vasco Pereira a 11.10.2015

Que situação tão idêntica à do meu pai... No caso dele, tratou-se de mieloma múltiplo, vulgarmente conhecido por "cancro da coluna". A hematologista que iniciou o processo, ainda a doença não estava diagnosticada, era tão douta que, dado o seu discurso, o qual levar-me-ia a reprovar um aluno no 6.º ano, nada respondeu às minhas perguntas. Pode parecer exagero mas juro que os meus alunos têm um conhecimento bem mais vasto acerca de alimentação saudável, entre outros conceitos. Não vou escrever muito. Há um ano atrás, exatamente por esta altura, estava o meu pai demente e a apodrecer nos HUC, fruto de um autotransplante de medula que decidiram realizar sem sequer saberem a localização exata do tumor. Foi cobaia enquanto eu, assim que saia das aulas vinha cuidar da minha avó, doente de alzheimer, para que a minha mãe pudesse ir para Coimbra e assim estar junto dele algumas horas. Nitidamente, houve uma equipa de "médicas que matam": uma em Viseu, a Prof.ª Dr.ª em Coimbra e outra que fazia tudo o que a "chefe" mandava, ainda que nos tentasse ajudar a tirar o doente dali. Infelizmente, pelo sofrimento que passamos bem antes e durante, não consegui reunir provas de acusação e pensar que esta gente continua a matar... "Em nome da ciência". Claro que apenas matam desconhecidos e nunca os seus familiares. A esses recusam autotransplantes de medula nas condições citadas. Não consigo aprofundar este tema porque sinto-me a revivê-lo e uns bons meses de depressão se seguiram após a morte do meu pai, fruto desta revolta e do magnífico apoio que recebi por parte dos colegas na escola. Para eles, após a morte, livrei-me de um fardo. Mas fui forte durante o alzheimer da avó, o cancro da mãe e logo de seguida o do pai. Já com o vazio que se segue e a raiva de não poder salvar outras vidas... Tornei-me agressivo, mudei radicalmente,...
Bem, tudo isto para, por muito que custe, porque custa e é difícil, dizer para que a sua amiga faça o que não pude fazer. É preciso denunciar médicos que matam. Por ela e por outros que seguramente estarão a passar pelo mesmo. Que no seu caminho haja muita luz e força. Nem todas as pessoas reagem mal aos tratamentos e a força de vontade é de extrema importância. Vejo-o na minha mãe: tumor na glândula salivar da mandíbula. Ficou desdentada, com a boca torta (agora qs não se nota), correu o risco de poder não mais falar e ficar com o rosto paralisado. Depois da operação e passadas semanas parecia um monstro, verdade seja dita. Mas venceu. E a sua amiga tbm vencerá! Por favor, ela nunca se deixe iludir - enamorar como aconteceu com o meu pai, com as falinhas mansas, naquele caso acerca do autotransplante de medula; não me ouvindo. Questione, questione, peça opiniões e claro... mande esta médica para o - palavrão parecido com carvalho.

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