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Para onde caminhas, Serviço Nacional Saúde?

por Magda L Pais, em 12.06.15

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Vamos aqui fazer um exercício imaginário. Sentem-se calmamente, peçam um café e acompanhem este exercício que pode ser um bocadinho longo.

Imaginemos então que uma pessoa, em Agosto do ano passado, começava a sentir pontadas a mais no peito e um cansaço extremo quando fazia o mínimo exercício. Juntemos-lhe tensão alta e um irmão falecido por uma dissecção (será assim que se escreve?) da aorta e temos o primeiro quadro clínico da pessoa em causa.

Estão a visualizar?

Então continuemos. Imaginemos ainda que essa mesma pessoa, chamemos-lhe Joaquim (e daqui a pouco vão perceber porque escolhi o nome da personagem representada pelo Miguel Dias na fantástica série Bem Vindos a Beirais) tem a sorte de ter um subsistema de saúde que lhe permite o acesso a hospitais privados e que, por isso, teve, rapidamente, consulta de cardiologia com uma médica bastante acessível e que lhe mandou fazer vários exames, entre eles um TAC ao coração. Rapidamente e porque o subsistema continua a permitir, o exame é marcado num hospital de referência no combate à obesidade.

Confusos por esta referência à obesidade quando se fala em coração? Pois, é que os direitos dos mais altos e dos mais pesados são esquecidos em quase todos os hospitais. E como o nosso Joaquim tem 1m93cm e pesa 160 kg, não pode fazer o TAC e é recomendado que a médica mande fazer outro exame.

Continuamos, é claro, no mundo imaginário e já estamos em Novembro. Foram feitos vários exames, todos pelo subsistema de saúde – porque o nosso Joaquim tem essa sorte, a de ter um subsistema de saúde que lhe suporta estes custos – mas o exame que a médica manda fazer em substituição do TAC só pode ser feito num hospital público, chamemos-lhe hospital Um.

Um mês mais tarde, o Joaquim lá vai fazer uma coronariografia (é assim que se escreve?) e sai de lá com um verídico – precisa de fazer um bypass porque uma das coronárias está totalmente entupida.

Continuemos no reino do imaginário e imaginemos que o Joaquim contacta o seu subsistema para saber se esta operação é comparticipada se a fizer num hospital privado. Pois que não, pois que não se brinca aos corações nos privados, é operação a fazer num hospital público – seja no Hospital Um, Dois ou Três (é que, aparentemente, só há três hospitais, a sul do Mondego, capazes duma operação desta envergadura a um homem da envergadura do Joaquim). No privado aceitam operar, tem 1% ou 2% de risco mas o custo… o custo, no mínimo, será de € 25.000,00 para começar. Vão-se os anéis, ficam os dedos, dizem, mas para isso há que ter anéis…

Estamos em Junho e finalmente consegue-se uma consulta no Hospital Dois. Porque se esperou por uma consulta no Hospital Três que não veio e acabou por se mandar os exames e tudo por email para o Hospital Dois que, dois dias depois do envio do email, marcou a consulta de cirurgia para a semana seguinte. Foram rápidos.

E agora continuemos a imaginar.

Imaginemos agora que o Joaquim vai à consulta de cirurgia e que o cirurgião confirma todo o diagnóstico anterior e que sim senhor, precisa de ser operado. Assine aqui por favor e vá para casa esperar. Esperar dois ou três meses que a fila de espera tem cerca de 300 doentes à frente, alguns – mais do que desejávamos – em situação mais grave que a sua. Por isso espere, não desespere, e aguarde. Haveremos de o operar, só não lhe sei dizer é quando.

Conseguiram imaginar até aqui?

E se vos dizer que isto é a realidade? Que o que imaginaram é uma situação real? E que há doentes do coração à espera vários meses para fazerem operações que, se feitas de imediato, podem ser simples e que, quanto mais tempo esperam, mais complicadas se podem tornar? Que o sistema nacional de saúde – aquele para o qual descontamos – trata as operações ao coração (órgão vital) como se fosse uma operação ao menisco ou a uma hérnia? Que os cardiologistas, os cirurgiões, não sabem como explicar a doentes e familiares que podem morrer à espera de vez? E que muitos morrem mesmo porque não foram assistidos a tempo?

Para onde caminhamos, com este descuido, esta falta de consideração, pelos doentes – sejam eles do coração ou não?

Afinal e bem vistas as coisas, o maior doente é o SNS e precisa duma intervenção urgente!

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18 comentários

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BomDia a 15.06.2015

Infelizmente tens razão.. isso acontece... por outro lado tenho que vir fazer de advogada do diabo e dizer que felizmente o SNS também tem coisas boas, e apesar de tudo, em Portugal quem não tenha dinheiro para um seguro de saúde ainda tem direito a ir a um médico e ter assistência médica. Se é perfeito e rápido? Não o é... Mas sem ovos não se faz omeletas!!!!  É difícil quando se tem capacidade para atender 2 doentes ter que atender 20 e dar-lhes a mesma qualidade de serviço a todos.. 
Pessoalmente não tenho queixas do SNS, aliás por muitas reclamações que possa fazer, também posso indicar muitas situações que beneficiei do mesmo com qualidade..   ;
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Magda L Pais a 15.06.2015

sim, tens toda a razão. há coisas em que funciona e funciona bem. E eu percebo que haja filas de espera, demoras etc. Mas, e é a minha opinião, para determinadas doenças/sintomatologias não devia haver. Se eu tiver que se ser operada ao menisco, por exemplo, dois ou três meses de espera é chato e complicado mas a minha vida não está em risco. não é o que se passa numa operação ao coração
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BomDia a 15.06.2015

claro! mas há coisas que é fácil pôr uma ordem de importância, coração face a uma dor de dentes! mas nem sempre é fácil pôr uma situação e um risco de vida à frente de outro, dar-lhe mais importância ou prioridade. é o mesmo que dizer que a vida do Joaquim é mais importante que a vida da Maria. e nem sempre conseguimos ser imparciais nisso quando conhecemos o Joaquim mas nunca ouvimos falar da Maria, portanto porque raio o Joaquim não há de passar à frente?! penso que quando a vida das pessoas está em risco é muito complicado fazer juízos imparciais, e quem tem que tomar essas decisões (operar um ou outro sabendo que o outro poderá não sobreviver) não tem de certeza uma tarefa fácil.... 
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Magda L Pais a 15.06.2015

entendo e compreendo o que dizes e nem sequer era minha intenção que fosse doutra forma - naturalmente que é sempre difícil , para médicos e familiares, priorizar as coisas. cada qual com as suas razões, mas para ambos é complicado. Agora... porque é que uma operação ao coração (seja ela qual for, repara que o que se passa é que não há umas mais rápida mais que a outra, excepto nos transplantes em que o musculo deixa de ser viável se a operação não for imediata), dizia eu porque é que uma operação ao coração tem filas de espera? Não se trata deste caso especifico nem de nenhum caso especial. Trata-se de haver doentes do coração (todos excepto os transplantados) à espera. E se uns podem esperar, outros morrem à espera. E estão todos na mesma fila...
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BomDia a 15.06.2015

Pois percebo o que dizes e tens razão... Mas não sei como e quando e se essa situação vai mudar.... Tudo que mete filas e ordem (na saúde) é controverso. Porque que eu espero 2 meses e o ''meu vizinho'' é no dia a seguir se a situação é a mesma?! realmente não sei se haverá mudanças num futuro próximo.... 
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Magda L Pais a 15.06.2015

é isso que não percebo e aceito. Que haja critérios diferentes ou que não se entenda o critério. Que haja filas de espera para pessoas com doenças que os colocam em risco de vida. Se vai mudar? não sei, espero e desejo que sim, mas ficará sempre a dúvida
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BomDia a 15.06.2015

espero que sim também. infelizmente o rumo que tenho visto o SNS tomar tem sido o descendente invés do inverso... 

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