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Um dia isto tinha que acontecer

por Magda L Pais, em 22.05.15

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Já o disse aqui, hoje em dia não há Pais maus o suficiente. Pais que cumpram o seu papel de educadores, pais que ensinem os seus filhos que nem tudo nasce no chão e que é preciso lutar para ter o que se deseja, pais que exigem respeito (e que se dão ao respeito). Hoje a educação é feita de facilitismos, é feita de exigências erradas. Muitos, mas mesmo muitos pais, pensam que a educação é dada nas escolas e é aos professores que a exigem. E quando os seus rebentos não são educados, ouve-se à boca cheia – não sei que raio de educação lhes dão na escola?

Errado caros pais, errado. A educação dá-se em casa. E não é com facilitismos, é com exigências. É ensinando as crianças que o mundo pode ser delas se elas o respeitarem, se elas o souberem conquistar. É sabendo dizer-lhes que não, que não podem fazer isto, ou que não podem responder aquilo, ou que não podem ter todos os bonecos ou jogos que querem. É ensinar que há conquistas que sabem melhor porque temos de lutar por elas e que, quando uma porta se fecha, temos de procurar a janela. É dar-lhes asas, ensiná-los a voar, mas não o fazer por eles. É deixa-los cometer os seus próprios erros para que aprendam com eles e não querer que aprendam com os que nós cometemos.

Enquanto os pais desta geração não perceberem que a culpa dos filhos estarem à rasca é deles – dos pais – e enquanto se demitirem dessa função inerente a ser pai – a de educadores, vamos continuar a ter jovens mal educados, mimados e sem nenhum sentido na vida. Que futuro terão eles – os jovens – habituados a ter tudo e não ter de lutar por nada, quando chegarem à idade adulta e ao mercado de trabalho e tiverem de lidar com frustrações e com revezes na sua vida?

Mais uma vez, valia a pena pensar nisso.

Mas antes leiam, por favor, a crónica abaixo de Mia Couto sobre este mesmo tema, ele explica, magistralmente, este tema.

Está à rasca a geração dos pais que educaram os seus meninos numa abastança caprichosa, protegendo-os de dificuldades e escondendo-lhes as agruras da vida.

Está à rasca a geração dos filhos que nunca foram ensinados a lidar com frustrações.

A ironia de tudo isto é que os jovens que agora se dizem (e também estão) à rasca são os que mais tiveram tudo. Nunca nenhuma geração foi, como esta, tão privilegiada na sua infância e na sua adolescência. E nunca a sociedade exigiu tão pouco aos seus jovens como lhes tem sido exigido nos últimos anos.

Deslumbradas com a melhoria significativa das condições de vida, a minha geração e as seguintes (actualmente entre os 30 e os 50 anos) vingaram-se das dificuldades em que foram criadas, no antes ou no pós 1974, e quiseram dar aos seus filhos o melhor.

Ansiosos por sublimar as suas próprias frustrações, os pais investiram nos seus descendentes: proporcionaram-lhes os estudos que fazem deles a geração mais qualificada de sempre (já lá vamos...), mas também lhes deram uma vida desafogada, mimos e mordomias, entradas nos locais de diversão, cartas de condução e 1.º automóvel, depósitos de combustível cheios, dinheiro no bolso para que nada lhes faltasse. Mesmo quando as expectativas de primeiro emprego saíram goradas, a família continuou presente, a garantir aos filhos cama, mesa e roupa lavada.

Durante anos, acreditaram estes pais e estas mães estar a fazer o melhor; o dinheiro ia chegando para comprar (quase) tudo, quantas vezes em substituição de princípios e de uma educação para a qual não havia tempo, já que ele era todo para o trabalho, garante do ordenado com que se compra (quase) tudo. E éramos (quase) todos felizes.

Depois, veio a crise, o aumento do custo de vida, o desemprego, ... A vaquinha emagreceu, feneceu, secou.

Foi então que os pais ficaram à rasca.

Os pais à rasca não vão a um concerto, mas os seus rebentos enchem Pavilhões Atlânticos e festivais de música e bares e discotecas onde não se entra à borla nem se consome fiado.

Os pais à rasca deixaram de ir ao restaurante, para poderem continuar a pagar restaurante aos filhos, num país onde uma festa de aniversário de adolescente que se preza é no restaurante e vedada a pais.

São pais que contam os cêntimos para pagar à rasca as contas da água e da luz e do resto, e que abdicam dos seus pequenos prazeres para que os filhos não prescindam da internet de banda larga a alta velocidade, nem dos qualquercoisaphones ou pads, sempre de última geração.

São estes pais mesmo à rasca, que já não aguentam, que começam a ter de dizer "não". É um "não" que nunca ensinaram os filhos a ouvir, e que por isso eles não suportam, nem compreendem, porque eles têm direitos, porque eles têm necessidades, porque eles têm expectativas, porque lhes disseram que eles são muito bons e eles querem, e querem, querem o que já ninguém lhes pode dar!

A sociedade colhe assim hoje os frutos do que semeou durante pelo menos duas décadas.

Eis agora uma geração de pais impotentes e frustrados.

Eis agora uma geração jovem altamente qualificada, que andou muito por escolas e universidades mas que estudou pouco e que aprendeu e sabe na proporção do que estudou. Uma geração que colecciona diplomas com que o país lhes alimenta o ego insuflado, mas que são uma ilusão, pois correspondem a pouco conhecimento teórico e a duvidosa capacidade operacional.

Eis uma geração que vai a toda a parte, mas que não sabe estar em sítio nenhum. Uma geração que tem acesso a informação sem que isso signifique que é informada; uma geração dotada de trôpegas competências de leitura e interpretação da realidade em que se insere.

Eis uma geração habituada a comunicar por abreviaturas e frustrada por não poder abreviar do mesmo modo o caminho para o sucesso. Uma geração que deseja saltar as etapas da ascensão social à mesma velocidade que queimou etapas de crescimento. Uma geração que distingue mal a diferença entre emprego e trabalho, ambicionando mais aquele do que este, num tempo em que nem um nem outro abundam.

Eis uma geração que, de repente, se apercebeu que não manda no mundo como mandou nos pais e que agora quer ditar regras à sociedade como as foi ditando à escola, alarvemente e sem maneiras.

Eis uma geração tão habituada ao muito e ao supérfluo que o pouco não lhe chega e o acessório se lhe tornou indispensável.

Eis uma geração consumista, insaciável e completamente desorientada.

Eis uma geração preparadinha para ser arrastada, para servir de montada a quem é exímio na arte de cavalgar demagogicamente sobre o desespero alheio.

Há talento e cultura e capacidade e competência e solidariedade e inteligência nesta geração?

Claro que há. Conheço uns bons e valentes punhados de exemplos!

Os jovens que detêm estas capacidades-características não encaixam no retrato colectivo, pouco se identificam com os seus contemporâneos, e nem são esses que se queixam assim (embora estejam à rasca, como todos nós).

Chego a ter a impressão de que, se alguns jovens mais inflamados pudessem, atirariam ao tapete os seus contemporâneos que trabalham bem, os que são empreendedores, os que conseguem bons resultados académicos, porque, que inveja! que chatice!, são betinhos, cromos que só estorvam os outros (como se viu no último Prós e Contras) e, oh, injustiça!, já estão a ser capazes de abarbatar bons ordenados e a subir na vida.

E nós, os mais velhos, estaremos em vias de ser caçados à entrada dos nossos locais de trabalho, para deixarmos livres os invejados lugares a que alguns acham ter direito e que pelos vistos - e a acreditar no que ultimamente ouvimos de algumas almas - ocupamos injusta, imerecida e indevidamente?!!!

Novos e velhos, todos estamos à rasca.

Apesar do tom desta minha prosa, o que eu tenho mesmo é pena destes jovens.

Tudo o que atrás escrevi serve apenas para demonstrar a minha firme convicção de que a culpa não é deles.

A culpa de tudo isto é nossa, que não soubemos formar nem educar, nem fazer melhor, mas é uma culpa que morre solteira, porque é de todos, e a sociedade não consegue, não quer, não pode assumi-la. Curiosamente, não é desta culpa maior que os jovens agora nos acusam.

Haverá mais triste prova do nosso falhanço?

 

Nota às 10h55

Parece que este texto entre aspas não é de Mia Couto. Obrigado a quem me alertou. De qualquer forma, o texto é excelente, também não é meu, e fica aqui.

Mais uma nota, agora às 12h37

O seu a seu dono. Já me ajudaram e identificaram a autora - Maria dos Anjos Polícia do blog Assobio Rebelde. Obrigado a quem identificou.

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50 comentários

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Olívia a 22.05.2015

Eu não o diria melhor!
E ainda bem que não sou a única a pensar assim!
Bom fim-de-semana!




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Magda L Pais a 22.05.2015

Felizmente ainda há quem pense assim. Somos poucos mas existimos
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Maria das Palavras a 22.05.2015

Ainda ontem ouvi alguém dizer assim e tive de me obrigar a concordar: formação dá-se na escola, educação dá-se em casa. 
Mas há muito que passa ao largo dos olhos de pais até moderadamente atentos. há muy boa gente que é uma coisa em casa e outra na rua. 
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Magda L Pais a 22.05.2015

Mas a questão não passa só por estarmos atentos aos filhos. Passa-se com o que lhes ensinamos desde que nascem. É verdade que a personalidade deles - dos filhos - ajuda mas repara o caso do meu gaiato. Ele é, desde o primeiro dia, um autentico pirata. e não estou a exagerar. Os problemas com ele começaram antes de ir para a creche e depois continuaram.  havia quem nos dissesse que depois passava, que ele merolhava e tal e que não valia a pena zangarmo-nos. Pois, mas nós optamos sempre por nos zangar quando havia disparates em casa ou na creche. Quando foi para a primária tivemos de apertar mais o cerco, contactar mais frequentemente a escola e os professores para saber como porta, falar com os colegas e amigos e castigá-lo, à séria, quando não se portava como deve ser, e, acima de tudo, nunca desautorizamos os castigos impostos pela escola nem dizemos - eduque-o você que a mim ele não tem respeito. 
Sempre que vem, da escola, uma informação menos boa, o gaiato sabia que nós vamos acreditar na professora e não nele e que os castigos existem. E isso obriga-o a ter cuidado, a comportar-se melhor (ainda não a 100% mas bastante melhor). 
Não quer dizer que ele não faça disparates - faz. Nós sabemos que faz. Mas o nível dos disparates tem diminuido precisamente porque ele sabe que perde bastante quando os faz
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Life Inc a 22.05.2015

Eu estaria a mentir se dissesse que não vejo o resultado do facilitismo à minha volta... nota-se que os jovens são pouco ambiciosos e esperam que lhes caia tudo no colo, sem esforço e sem terem de lutar seja pelo que for. Pior, na sua maioria comportam-se como um bando de criaturas sem qualquer tipo de noção do correto e do sentido de responsabilidade. E o mais assustador, é que daqui a uns anos serão eles no mundo do trabalho... Também acho que os níveis de exigência em relação aos valores que realmente importam baixaram drasticamente, quer para pais quer para a população em geral. E não sei mesmo onde vamos parar!

xoxo
cindy
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Magda L Pais a 22.05.2015

Ora ai está. E a culpa é de quem? dos pais. Que nunca lhes disseram NÃO, que lhes dão tudo e mais um par de botas para não melindrarem as crianças, que se zangam com os professores por os filhos terem más notas em vez de se zangarem com os filhos por não terem estudado. E podia continuar a dar exemplos destes...
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Life Inc a 22.05.2015

Sim, concordo contigo. Educar não é fácil, vejo e sinto isso todos os dias. E também é obviamente um trabalho a longo prazo... Acho que caímos no facilitismo em muitos aspetos da vida e depois o resultado está à vista.

xoxo
cindy
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Magda L Pais a 22.05.2015

o mau resultado está à vista, de facto
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mia dos santos a 22.05.2015

Bom dia,
Creio que todas as gerações, de algum modo, andaram sempre "à rasca".  A forma como se desenrascavam é que mudou. Não havendo "almofadas" (colinho dos pais), nem conceitos muito definidos como "zona de conforto" (existia, mas ainda não tinha vindo a público), tínhamos de ir à luta, pois não havia ninguém que o fizesse por nós. Hoje, deixou-se de conjugar o verbo "desenrascar" na primeira pessoa, porque há sempre alguém nos bastidores a mexer os cordelinhos, para evitar frustrações nos "rebentos" . 
Bom fim de semana.
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Magda L Pais a 22.05.2015

e é esse evitar que os rebentos não tenham frustações que está a prejudicar toda uma geração


Obrigado pela visita e bom fim de semana
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Descontos a 22.05.2015

Muito obrigada pela partilha. O texto de Mia Couto é verdadeiramente magnífico.
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Magda L Pais a 22.05.2015

O texto continua a ser excelente mas parece que não é de Mia Couto. 
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Corvo a 22.05.2015

Uma verdade irrefutável. Os pais de ontem são os grandes culpados pela fraca geração de hoje. Eles e só eles.
São os culpados pela fraqueza dos filhos e dos seus fracassos, são os culpados pelas suas vulnerabilidades, são os culpados pelas suas inibições e ausências de tomadas de decisão, de empreendedorismo.
Deram-lhes estudos mas não lhes deram exemplos, não lhes ensinaram que não só a formação chegava, havia também que saber transmitir valores. Hoje temos uma geração de licenciados fraca e pusilânime sem capacidade de iniciativa nem criatividade.
Facilitaram tudo aos filhos e nunca lhes mostraram as dificuldades. Os filhos não têm culpa nenhuma, absolutamente nenhuma. Não podem ser responsabilizados pelo que não lhes foi ensinado. Ninguém pode questionar nem decidir sobre aquilo que desconhece, acho.
São os pais e só eles os grandes responsáveis pelo fracasso dos filhos.
E por que tanto facilitaram a vida aos filhos? Por os amarem muito? Não! Não os amavam mais do que os pais de anteontem. Facilitaram a vida aos filhos para facilitarem as próprias.. Facilito-te a vida deixas-me em paz e vivo sem chatices. Foram maus pais, e continuam.
Mostrar as dificuldades da vida não é ser maus pais e, quanto a mim, muito pelo contrário. Não perder tempo com eles é que são. Pais irresponsáveis criaram uma geração fraca e sem iniciativa.
Grande post. Merece com toda a justiça o destaque que lhe foi atribuído.
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Magda L Pais a 22.05.2015

Obrigado Corvo. Sim, os pais. Querem ter descanso e dão tudo aos filhos para não serem incomodados. Depois estranham o que lhes acontece
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cecília a 22.05.2015

o meu querido Mia Couto... por vezes enche-me a boca de mel, outras, o coração de maravilhosa esperança; hoje, brindou-me a alma, fez-me justiça. é tão difícil estar certo! 
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Magda L Pais a 22.05.2015

Parece que o texto não é de Mia Couto. Desconheço o autor mas não deixa de ser uma excelente reflexão
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cecília a 22.05.2015

se não é, podia muito bem ser. porque já o ouvi falar assim. acima de tudo o que escrevi mantém-se. 
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Magda L Pais a 22.05.2015

sim, um texto muito bom mesmo
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J. a 22.05.2015

http://restolhando.blogspot.pt/2011/03/mia-couto-e-atribuicao-falsa-da-autoria.html
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Magda L Pais a 22.05.2015

Obrigado pelo alerta. Post já rectificado
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Corvo a 22.05.2015

Pode não ser de Mia Couto, mas isso é irrelevante pra o assunto.
É de alguém que não desconhece a profunda realidade para onde caminha Portugal.
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Magda L Pais a 22.05.2015

Portugal não, todo o mundo que este problema é transversal
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Cris a 22.05.2015

É mesmo geral. Acontece em todo o mundo. Não sei se já leste o livro "O Pequeno Ditador"  de Javier Urra. Também aborda o tema da educação do sim, sim, sim e as suas consequências, aquilo que se vê nos dias de hoje...
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Magda L Pais a 22.05.2015

Mais um para a lista a ler. Já ouvi falar sim, mas ainda não o li
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Cláudia Oliveira a 22.05.2015

Mia Couto tem razão. E concordo em absoluto com o que é dito aqui. 
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Magda L Pais a 22.05.2015

Obrigado Claudia. parece que o segundo texto não será de Mia Couto mas isso não lhe tira qualidade
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Descontos a 22.05.2015

Parece que o texto não será do Mia Couto. Mas confesso que desconheço, para já,  quem seja o autor.
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Magda L Pais a 22.05.2015

também não sei. Mas é um excelente texto

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