layout - Gaffe
Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
Cruzei-me com este artigo de Filipe Morgado Gomes que achei bastante interessante e que, nesta época especialmente, faz todo o sentido. Por isso aqui fica para quem pensa fazer a sua primeira grande viagem em breve.
A ideia de viajar pelo mundo pode parecer assustadora. Sei do que falo – lembro-me de ter lágrimas nos olhos no aeroporto de Amesterdão, quando esperava por um voo de ligação no início da minha primeira volta ao mundo. Foi o momento em que me “caiu a ficha”, em que realmente interiorizei que ia mesmo viajar pelo mundo, sem data de retorno definida, sozinho. “Filipe, tens a certeza disto?”, perguntei-me. “Será que sei onde me vou meter?”. E todas as incertezas se apoderaram de mim.
Eu achava que estava preparado. Tinha planeado a viagem durante meses a fio, trabalhado dia e noite para juntar o máximo dinheiro possível e lido relatos de muitos outros viajantes – a começar pelo Vagabonding do jovem jornalista Mike Pugh, um dos primeiros blogs de qualidade de uma volta ao mundo e a minha grande inspiração da época. Ainda assim, naquelas horas de espera no aeroporto, parecia meio perdido. “Será que fazer esta viagem é a decisão certa?”
Catorze meses depois, chegava a casa com a certeza de ter empreendido a mais fantástica experiência da minha vida. No regresso, tomei algumas decisões importantes que mudaram o curso da minha história. Sim, a volta ao mundo mudou completamente a minha vida. Para melhor. Hoje, sou uma pessoa mais feliz.
Estas são algumas das coisas que gostaria de ter lido antes de partir. Talvez te sejam úteis.
Não tenhas medo
Acredita em mim: as pessoas são boas em todo o mundo. É até provável que, nos países que têm o rótulo de “perigosos”, conheças as pessoas mais hospitaleiras do planeta.
Mesmo que os pais ou amigos te chamem “maluco” e não te apoiem, parte. Porque “maluco” é quem não se dá a oportunidade de ganhar mundo, quem nunca sai da sua “zona de conforto” por receio do desconhecido. “Maluco” é quem não se desafia, quem não arrisca.
Não tenhas medo, que o mundo está à tua espera. Vais ser bem recebido em quase todos os lugares, vais fazer novas amizades, vais sentir na pele a hospitalidade desinteressada de pessoas estranhas. Vais ser feliz. Vais aprender a conhecer-te melhor. Vais ter dias maus, é certo, mas serão a minoria. Até porque é melhor ter um dia mau numa montanha nepalesa ou numa praia filipina do que fechado num escritório.
Interioriza esta ideia: não é preciso coragem para viajar, apenas vontade (e um seguro de viagem).
Leva pouca coisa
Na longa viagem que referi acima, ao fim de poucos meses enviei para casa, por correio, um pacote cheio de coisas que se revelaram desnecessárias. Poupa-te a esse trabalho e, simplesmente, não as leves.
É um facto que, em viagem, não precisas de muitos pertences. E quanto maior for a tua bagagem, maior a tendência para levares coisas que não precisas. Por isso, compra uma mochila pequena [ver dicas para escolher uma boa mochila] e abafa a tentação – compreensível – de levar algo apenas porque “podes vir a precisar”. Ou “pode ser útil”. Não vai ser. E mesmo que em determinado momento da viagem precises de algo específico – um saco-cama zero graus ou roupa técnica para fazer um trekking nos Annapurnas -, haverá sempre onde alugar ou comprar, e provavelmente mais barato do que no teu país de origem, seja ele Portugal ou o Brasil.
Se as t-shirts ficarem velhas e rotas, compras novas numa feira ao preço da chuva. Se o casaco polar ficar inutilizado, arranjarás outro agasalho sem problema. O calçado, idem. Basta pensares que há pessoas em todos os países, o que quer dizer que há sempre roupa à venda. E medicamentos. E comida. E tudo o que possas vir a precisar. Parece óbvio? E é. Mas a verdade é que não é fácil resistir à tentação de encher a mochila de coisas desnecessárias, just in case, e, com isso, carregar às costas peso em excesso. Não caias nesse erro.
Viaja devagar
Como já aqui escrevi, viajar devagar é provavelmente o conselho mais precioso que posso dar a quem se inicia nas viagens. Resiste à tentação de entrar no “jogo dos carimbos”, de querer visitar 10 países em 2 meses ou algo do género. De viajar para colecionar carimbos no passaporte.
Viajar não é uma competição, é uma experiência de vida. Vais ver que, se tu deres oportunidade aos lugares, vão acontecer coisas muito mais enriquecedoras do que viajando a correr. E ainda poupas dinheiro com isso. Sim, mais vale conhecer bem um país, região ou aldeia, embrenhares-te na cultura e quotidiano locais, do que passar pela rama de 5 ou 6 países. Já sei o que estás a pensar: tu queres “aproveitar ao máximo” a viagem, e isso implica ver o maior número possível de países, de lugares. É mentira: também aproveitas ao máximo se conheceres em profundidade os destinos, se fizeres amizades entre os habitantes locais, se te deres a oportunidade para viver os lugares, não apenas vê-los. E isso só se consegue viajando devagar.
Quando te perguntarem quantos países já visitaste na tua viagem, diz com orgulho que foram “poucos”. Sim, orgulha-te de viajares devagar e não sintas inveja dos colecionadores de carimbos.
Não te sintas culpado por “não fazer nada”
Quando viajas por períodos de tempo mais longos, necessitas de parar de vez em quando. Para “respirar”. Para descansar. Simplesmente porque sim. Não tenhas a tentação de ver e fazer coisas o dia todo todos os dias durante meses a fio, porque momentos haverá em que só te apetece ficar relaxado numa praia a lagartar, a conversar na sala comum de um hostel, a ler um livro num parque ou esplanada, a não fazer nada. Não te sintas mal por isso. Tu precisas desse tempo para continuar a aproveitar a viagem ao máximo.
Quando a viagem passa a ser a tua rotina, mudando de lugar a cada três ou quatro dias e, de permeio, visitando monumentos, palácios, complexos arqueológicos, praças, ruelas e museus, fazendo trekking, mergulho ou o que seja, vais sentir a necessidade de não fazer nada. É normal. Não sintas que estás a “desperdiçar tempo” – isso não é verdade. Estás apenas a quebrar a rotina e a descansar. Tal como fazes em casa ao fim de uma semana de estudo ou trabalho intenso.
Deixa a timidez em casa
Encetar conversa com um estranho não é um ato normal. Não dizemos “bom dia” às pessoas que viajam connosco no autocarro ou no metro a caminho da escola ou do emprego, nem temos por hábito começar a falar com os vizinhos da mesa ao lado num café ou restaurante.
Para muita gente, aliás, a timidez é uma barreira aparentemente inultrapassável. São pessoas até muito sociáveis se alguém der o primeiro passo, mas que ficam na sombra se ninguém “quebrar o gelo”. Bem sei que é preciso “coragem” para falar com estranhos, e esse é precisamente o desafio que te lanço: não tenhas medo de falar com outros viajantes nos hostels, de cumprimentar os empregados do café, de falar com quem está ao teu lado no autocarro. Vais ver que terás muito a ganhar com essa tua atitude.
E, se algum dia te sentires farto da conversa típica do backpacker, fala com os habitantes locais. Porque o mais provável é que as melhores experiências de viagem nasçam desses encontros fortuitos. Porque um “olá” pode mudar a tua viagem – e a tua vida – para sempre. E se te convidarem para fazer coisas, aceita.
Controla o orçamento, mas não sejas o mais forreta dos viajantes
Já aqui escrevi que não é preciso ser rico para viajar. Poupa dinheiro, controla o teu orçamento, mas não deixes de fazer coisas ou visitar lugares únicos apenas porque é preciso pagar. Se achas que não tens dinheiro suficiente, adia a viagem por uns meses, faz uns biscates para juntar mais dinheiro, ou parte já com a ideia de ir trabalhando durante a viagem.
Não estou a dizer para gastares centenas de euros a fazer skydiving na Nova Zelândia, nadar com tubarões-baleia na Austrália ou ver gorilas de montanha no Uganda. Nada disso. Escolhe destinos compatíveis com o teu orçamento, mas não deixes de visitar Angkor Wat quando estiveres no Camboja apenas porque o passe de 3 dias custa 40USD; não deixes de visitar um museu que querias muito conhecer só porque a entrada não é gratuita; e não deixes de comer esporadicamente num restaurante melhor porque gastas 3€ em vez de 1€.
Em viagem, comer bem ou dormir num hotel melhorzinho de vez em quando são pequenos luxos que o teu corpo e alma vão agradecer. Porque é importante estar bem, feliz, motivado.
No fundo, seleciona com critério onde vais gastar o teu dinheiro, mas não deixes de aproveitar a viagem. Resiste à tentação de pensar que “um dia vais voltar” e fazer tudo o que deixaste por fazer, porque o mais provável é que, na maioria dos lugares por onde passas, isso nunca venha a acontecer. E não fiques ciumento se alguém te disser que só gasta 8 ou 10 dólares por dia, dorme em tendas todas as noites e cozinha as suas próprias refeições ou come sandes o dia todo. [lê também o texto Quanto custa uma volta ao mundo]
Sê consciente na forma como gastas o teu orçamento – negoceia os preços, não te deixes enganar, evita os restaurantes, lojas e cafés junto aos locais mais turísticos – mas não sejas o mais forreta dos viajantes. Depois de duas semanas em camaratas, dorme num quarto privado. Depois de dias a fio a sandes ou street food, entra num restaurante. Depois de muito tempo a poupar nas saídas à noite, vai beber uma cerveja com alguém a um bar ou discoteca. Controla o orçamento, mas não te maltrates. Para que a tua experiência de viagem seja ainda mais memorável. Ou, como se diz numa publicidade, “porque tu mereces”.
Não sigas o Lonely Planet à risca
É importante planear, quanto mais não seja para não cumprir o plano. Dá um certo conforto mental saber que temos um plano: ter um itinerário definido, quantos dias queremos ficar em cada local, uma ideia das melhores opções para dormir, como viajar entre um e outro. Planear é, aliás, um dos grandes prazeres antes de partir.
Mas, uma vez na estrada, usa os guias de viagem com parcimónia – são úteis, por exemplo, para estudar os mapas à chegada a uma nova cidade e saberes para onde tens de ir, evitando dar o ar de turista perdido.
Não cometas o erro de só ir almoçar aos restaurantes referenciados, de só visitar o que aparece no guia, de só dormir num hostel se aparecer no Lonely Planet. Em vez disso, ouve os conselhos de outros viajantes, dos habitantes locais, dos funcionários do teu hotel. Porque é muito provável que as suas sugestões sejam melhores e mais atuais do que o que está escrito no Lonely Planet.
E dá-te oportunidade de explorar um país, uma cidade, ao sabor dos teus instintos, sem seres condicionado por um guia de viagem. Não olhes para o que outros escreveram – eu incluído – como sendo a única possibilidade, o único itinerário.
Porque esta é a tua viagem. E podes fazer dela o que quiseres!
Artigo completo em http://www.fmgomes.com/planear-a-primeira-grande-viagem/
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.