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Inversão de papéis

por Magda L Pais, em 27.06.18

Lembro-me, em criança, que adorava ir ao emprego dos meus pais. Lembro-me do meu pai me ir buscar à escola e de ficar com ele no balcão do banco

(e de dizer aos colegas dele que nunca iria trabalhar no Banco Totta & Açores… como que para se rir de mim, ditou o destino que começasse a trabalhar nesse mesmo banco aos 20 anos, e ainda cá estou, com muito orgulho)

Enquanto ele acabava isto ou aquilo antes de irmos para casa.

Ou de quando a minha mãe começou a trabalhar, pertinho de casa, e eu ia lá buscar isto ou aquilo.

Era uma criança e era uma grande alegria para mim visitar o mundo dos adultos, onde os meus pais passavam o tempo que não estavam em casa connosco.

(talvez por isso, quando fui mãe, fiz questão de também levar os meus filhos ao meu local de trabalho, para saibam onde estou quando não estou em casa)

Lembro-me, em criança, de dar a mão ao meu pai ou a minha mãe. De serem eles (mais a minha mãe, sem dúvida) a irem comigo ao médico, a preocuparem-se com a minha saúde

(ainda hoje isso acontece, afinal os filhos são sempre nossos filhos e as preocupações com eles não acabam, só mudam)

Nos últimos tempos os papéis inverteram-se. A saúde do meu pai está cada vez mais fragilizada, e agora sou eu (ou as minhas irmãs) que o acompanhamos ao médico ou às urgências do hospital quando é necessário. Ontem foi ele que me deu mão para o ajudar a caminhar até ao médico e foi ele que veio almoçar comigo ao meu local de trabalho.

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(e o orgulho que senti porque, quase 17 anos depois dele se ter reformado, ainda houve quem o conhecesse?)

De filhos passamos a pais dos nossos pais, invertem-se os papéis e, se um dia foram eles que cuidaram de nós, passamos a ser nós a ter de cuidar deles. Não é fácil, seguramente que não, mas é o natural, o que devemos fazer, o que eles – os nossos pais – merecem que façamos por eles.

A minha tia Lucília morreu. Depois de anos a lutar contra o cancro, aconteceu o inevitável. A semana passada morreu. E morreu como viveu, com a família por perto.

Assistiu ao meu parto, estava lá quando a minha mãe disse à enfermeira que não queria que eu nascesse e ela lhe respondeu que devia ter pensado nisso nove meses antes e que agora eu ia mesmo nascer. A primeira vez que respirei, ela estava ao pé de mim. 47 anos e mais uns meses depois, os papeis inverteram-se. Estava ao lado dela quando ela respirou pela última vez.

E a mulher que – em acesa disputa com a minha avó – era uma segunda mãe, morreu fisicamente mas continua viva em todas as lembranças. Porque aqueles que amamos só morrem quando deles nos esquecemos.

E o orgulho imenso que senti (e sinto) pela forma como os amigos dela - presidente da república incluído - a homenagearam nos dois jornais por onde passou? (podem ler aquiaquiaquiaqui e ainda aqui e aqui)

expresso MRS.jpg

A vida em família é, permanentemente, uma inversão de papéis. Cuidamos de quem cuidou de nós e esperamos que, um dia, de quem nós cuidámos possa cuidar de nós. A lei do retorno. O bumerangue, que nos dá o que nós damos aos outros.

E só assim faz sentido.

 

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34 comentários

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Maria Araújo a 28.06.2018

Magda pôs-me a chorar, não só pela história que contou da sua infância, como a foto que a acompanha, e o sentimento de orgulho e amor que deixou na história da sua tia, com as belas palavras do nosso PR.
Penso muitas vezes na velhice, no que os avós ainda fazem, agora, pelos netos, e na pouca gratidão que muitos filhos têm por eles quando a velhice chega.
Lembro-me que quando o meu pai tinha de ir ao médico e eu o levava, tinha problemas em andar, pedia um cadeira de rodas, ele sentia-se tenso, nervoso, pesado, porque não queria aceitar as suas limitações, ele, uma pessoa independente, que andava de carro para todo o lado.
Acabou a sua vida acamado, mas com alguém que cuidou bem dele, felizmente.
Beijinho
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Magda L Pais a 28.06.2018

oh Maria, não queria, de todo, meter ninguém a chorar e muito menos a Maria :)
há, felizmente, ainda muitos velhotes cujos filhos e netos os acompanham e tratam como eles merecem. Infelizmente não são todos, é verdade. Na maior parte dos casos sabemos apenas dos que não o fazem
O meu pai tem o mesmo problema... sempre foi muito independente e agora infelizmente já não o é. Queixou-se disso ao médico numa das últimas vezes que lá fomos. O médico só lhe disse que, acima de tudo, o importante é que tinha a companhia da familia. 
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Maria Araújo a 28.06.2018

Choro por que estas histórias são a realidade da vida que muitos não querem acreditar que um dia vai-lhes acontecer, e por que penso muitas vezes como seria hoje a minha mãe( que faleceu a 13 dias de fazer 53 anos)  e avó apaixonada pelos quatro netos, na altura, hoje seriam 11, que era. 
E é verdade o que o médico diz: o importante é ter a companhia da família.
Temo a velhice, não gostaria de dar trabalho a ninguém da família.
Um dia de cada vez e viva-se bem, é o importante.
Beijinhos
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Magda L Pais a 28.06.2018

o meu avô ainda conheceu dois bisnetos. A minha filha mais velha e o meu sobrinho. A minha avó conheceu quatro dos cinco bisnetos. Acho que foi a maior felicidade dela, saber que a familia continuava, unida como sempre e a apoiar-nos nos bons e nos maus momentos.
Um dia de cada vez e sem medo do futuro. isso é que é importante
Beijinhos
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Maria Araújo a 28.06.2018


Quando as famílias se entendem, é mais fácil ultrapassar barreiras.
Sei-o pelo muito que já passei/ passamos.
Um bom fim-de-semana.
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Lígia Fernandes a 29.06.2018

É isso mesmo. O papel da família é tão lindo. Havendo amor conseguimos cumprir com carinho, formando uma história digna e confortável para o nosso coração.
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Lígia Fernandes a 04.07.2018

É verdade, ontem pelas 16h fui a uma esplanada. Chegaram 2 amigas que se sentaram na mesa ao lado.  Mãe e filha numa conversa descontraída, conversavam e trocavam palavras comigo. Entretanto a filha pede desculpa, tem que se ausentar por uns minutos para ir à papelaria ao lado. E diz: Eu já venho, não me demoro, mãe não saias daqui, já volto. Pisca- me o olho para eu lhe dar um olhinho e vai ao balcão só para informar que não se demorava... Adorei o gesto desta minha. Fez-me lembrar quando a minha mãe que já não está entre nós, foi para o centro de dia, eu regularmente, ia conversar com a coordenadora, para saber sobre o comportamento e adaptação no centto de dia. Os papéis invertem-se e é tão lindo!
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Olívia Batista a 16.08.2018

Que bonito texto e que grande verdade!
(confesso que já tinha saudades de andar aqui pelos blogues a ler coisas interessantes!!!)
bjs


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